Fragmentade

 Ao olhar meu reflexo, tudo o que consigo ver são fragmentos. Olhos por toda a parte, mas apenas dois deles são meus. Tudo o que me trouxe até aqui foi sua imagem. Eu não vejo mais a mesma pessoa de anos atrás. Quanto mais olho, mais percebo o quanto você quis que eu chegasse até aqui. Meus lábios doem sempre que os mordo novamente, feridos e ressecados, pedindo até o último segundo por mais uma gota. Os dias continuam passando desde aquele acontecimento. Em meu corpo, vejo as marcas de tudo o aquilo que passamos. Suas escrituras e desenhos, as marcas do dia em que me abraçou e me apresentou aquilo que eu deveria ser pelo resto de minha vida. Símbolos desconhecidos, indecifráveis, ou pelo menos eram até eu chegar aqui. Tudo o que consigo ver é você. Em minha imagem, não há outra maneira de esquecer seu rosto desenhado em meu semblante, um rosto sempre coberto, mascarado de todas as almas que habitavam ali dentro e de todos os demônios que a atormentavam. Dizem que com tantos poderes temos grandes responsabilidades. Eu sei bem o preço que pago todos os dias por estar viva junto de todos esses olhos que me perseguem sempre que paro pra visualizar meu rosto nesse espelho quebrado. Mesmo com tudo isso, sempre me pego perguntando a mim mesma se eu faria tudo diferente. Parece hipocrisia de minha parte, estar sangrando todos os dias sem nenhuma explicação, mas continuo tentando te encontrar novamente, dizendo a mim mesma que tudo isso não poderia ser diferente. Marcada com todos esses símbolos, escorrendo de toda parte, continuo todos os dias lembrando daquilo que uma vez me disse. Sua mente estava completamente corrompida e seus sentimentos doíam, como grandes lanças perfurando meu corpo. Você dizia que, para buscar a mudança, sacrifícios deveriam ser feitos ou tudo seria em vão, e então escorrerá pelos seus braços, pintando todo seu casco com seu poder, pingando sobre o chão, onde tudo o que conseguirá ver será um grande oceano carmesim. Bem, você sempre gostava de transformar a realidade naquilo que te deixava mais feliz, mesmo que às vezes, tudo o que eu pudesse ver fossem apenas lágrimas, caindo de seus olhos perdidos, consumida por todo o paradoxo que criou, julgando-te a hubris.

 Tudo o que consigo ver é você. Consumindo meus sentimentos aos poucos e me chamando. Uma maldição que me proporcionou tantos poderes, mas que ao mesmo tempo, precisa consumir toda minha sanidade por completo, sendo julgada pela realidade por tentar esconder algo que aos olhos de todos, é invisível.